NUNO JÚDICE
COMPOSIÇÃO
COM GARRAFA E FLORES
A
transparência da garrafa passa para o fundo da tela,
onde a luz
transporta uma impressão de água. Posso
despejá-la
pelo gargalo do poema, e ver como as
palavras
ficam limpas da sua opacidade, até se
poder,
através delas, olhar as coisas com a sua mais
pura
nitidez. Mas é apenas uma garrafa, pousada
no tampo,
reduzida à expressão mais simples
das suas
vogais e consoantes, de onde tiro uma
elocução
líquida até o fundo ficar seco. Vazia,
é uma peça
decorativa que posso encher de
argumentos,
como plantas, para que os ramos
da frase se
abram sobre a lógica da mesa. O
vidro
sobrevive; e só a lógica, que me obrigou
a substituir
a água por flores de retórica,
murcha de
encontro à parede, onde a
humidade
rasgou a pintura, deixando à vista
o gesso dos
advérbios e a madeira podre
das conjunções, num realismo de natureza morta.
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